terça-feira, 6 de julho de 2010

Experimentos de mim mesmo (I)

O escritor virtual

Lá estava aquele jovem sentado na escrivaninha, com um caderno à sua frente e uma caneta esferográfica entre os dedos da mão direita. Ele era do tipo que apreciava escrever uma boa história à moda antiga, mesmo se considerando um ser cibernético do século vinte e um, uma era completamente dominada por toda sorte de dispositivos eletrônicos, onde as pessoas podem se conectar umas às outras de infinitas formas. Fazia mais de uma hora que ele estava lá sem conseguir dar a luz a uma palavra sequer, pensando se não devia abrir seu notebook, logar no msn e conversar um pouco com sua amiga que morava a quilômetros de distância, só para saber o que ela andava produzindo por lá. Ou quem sabe entrar em seu blog; algumas vezes sentia mais facilidade em desenvolver sua escrita por lá. Se não fizesse nada disso, pelo menos iria abrir uma aba do firefox no youtube e entreter um poucos seus ouvidos. Isso frequentemente o inspirava a fazer novas composições, mesmo que uma parte delas só fosse inteligível a ele mesmo. Quem ligava... Decidiu fazer isso então. Digitou 'Yellow' na barra de pesquisas e deu play friamente no tocador. Essa música era de uma banda que lhe foi apresentada por sua amiga, a qual, alías, sempre lhe trazia muitas coisas boas. em função disso, volta e meia ele escrevia uns versos para ela, escondidos, é claro. Se ela soubesse, poderia confundir as coisas e quem sabe até se afastar. Não, definitivamente não. Ele a queria bem perto, muito mais do que ela poderia imaginar. Ah! Só de pensar seu coração se perdia em devaneios... Coisa de poeta. Ele então abriu o editor de texto e começou a digitar:

"Tenho andando ser vontade de escrever esses dias, ou melhor, estou parado na escrita. Às vezes sinto que deveria simplesmente deixar vir à tona o que quer que houvesse em minha mente, como costumava fazer na adolescência, mas o vazio que sinto é tão grande que absorve tudo à minha volta e me faz entrar em uma realidade paralela. Nesse caso, o melhor a fazer é ficar em silêncio, apenas ouvindo os invisível. Isso contudo, não é uma tarefa das mais fáceis para mim. Já me disseram que eu falo demais, e falo mesmo, atropelo verborragicamente e sempre acabo numa tragédia linguística. Acho que vou guardar todas as palavras numa caixa e enterrar no fundo do oceano. O que eu posso fazer se sou totalmente elétrico? Minha mãe me contou que quando eu era pequeno, enfiei uma agulha de tricô na tomada e fiz a luz inteira da casa acabar, mas fiquei lá, incólume. Agora eu estou vendo aonde foi parar toda essa energia... Alguem arrisca um palpite?"

Seu celular apitou de repente; era uma mensagem que tinha chegado daquela sua amiga. Dizia assim:

"Oi! Entra no msn para conversarmos um pouco. Estou morrendo de saudades!"

Ele ficou surpreso com a mensagem de texto, fez uma expressão que era uma mistura de um sorriso maroto com uma alegria incontida. Realmente, tinha tempo que eles não se falavam, pensou ele. Mesmo assim, nunca vira esse tipo de confissão saudosa por parte dela. Uns minutos depois e ele já estava logado.

- Ei! você recebeu minha mensagem então.
- Eu sempre recebo.
- Estava fazendo o quê?
- Tentando escreve algo que prestasse, mas só consegui uma catarse meio maluca mesmo.
- Ah! Também não ando muito inspirada. Há tempos que tento escrever meu livro de contos, mas a coisa não está fluindo.
- E eu o meu livro de poemas...
- Por falar em poemas, você me prometeu mostrar alguns dos seus e até agora nada, né? Seu enrolão!
- Calma, calma! Ainda posso me redimir?
- Claro, bobinho!
- Se a gente morasse mais perto um do outro a gente podia...
- O que?
- Esquece! Foi só um pensamento... Vou buscar aqui a poesia... Achei!
- Cadê?
- Aqui:

"Vou gritar até ficar rouco,
Vou gritar seu nome,
Vou gritar como um louco,
Vou gritar esse pronome
Pessoal, bem pessoal,

Que tem forma e cor,
Que exala um aroma de rosa,
Que pra mim traduz o amor,
Me inspira uma paixão calorosa,

Um sentimento que transpõe a distância
física, e mesmo tão distante
Está em completa ressonância
Como um coração pulsante"

- Que lindo! A mulher quer inspirou essa poesia tem muita sorte.
- E ela nem imagina... - pensa
- Espero que não seja aquela sua ex-namorada podreira.
- Não, não! Eu já me desprendi completamente daquela ferida cheia de pus e você me ajudou muito.
- Que nada! Você é forte, menino! Escreve um poema sobre a nossa amizade um dia?
- Você tem a minha palavra, menina. Apesar de estarmos assim tão longe, sua amizade é muito importante pra mim.
- E a sua também, mas eu sinto que um dia ainda iremos nos encontrar.
- Por que você acha isso?
- É apenas uma intuição.
- Sei... E aquela carta que você ficou de me escrever? Depois eu é que sou o enrolão.
- E é mesmo - dá uma leve risada -, mas não se preocupe que eu já postei o correio ontem.
- Preciso ir.
- Já? Nem deus pra matar as saudades, seu coiso.
- A gente se fala em breve. Um beijão na sua testa.
- Um maior ainda na ponta do seu nariz.

Ambos começam a rir. Ele desloga do msn e em seguida abre uma aba e digita o endereço do site de uma companhia aérea.

- É... Talvez você esteja mais certa do que pensa, pequenina.











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